sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

La Ciudad Viva *09, 10 y 11*

A vida seria bem mais fácil se tudo pudesse ser catalogado em bom ou mau. Mas as coisas não são assim e, a mesma notícia que pode deixar uma pessoa muito feliz, pode deixar outra muito triste. Não por mal, não há para quem torcer, simplesmente temos sonhos e expectativas diferentes, que muitas vezes não são compatíveis. A melhor opção é aceitar, porque não há outra. Mas aceitar, pode ser de veras difícil.

As boas notícias que me chegaram do Brasil na noite de 09 de janeiro, eram tão inesperadas, que não sabia o que dizer, por isso, não disse nada.

O que posso dizer é que me tiraram o sono. Quando conseguia dormir, sonhava com o que queria esquecer, e quando acordava, pensava que havia sido apenas um sonho. Percebia logo que era real e passava de novo como um filme todas minhas recordações e ilusões... de novo e de novo.... até pegar no sono... e em seguida acordar de novo.

Pelo menos acordar para levantar cedo (pela primeira vez nas férias), não foi difícil. Tinha uma conferência para ir - em boa hora: nada como distrair a mente, quando esta não é capaz de obedecer mais. As 8h15 já estava, num puta frio, esperando meu primo que se ofereceu para me levar - e que demorou bastante para chegar. A essa hora ainda está meio escuro.




Fiz minha inscrição pela internet para a Conferência Internacional La Ciudad Viva pagando 10 euros como estudante. Valeu a pena, eram dois dias inteiros, forneciam almoço e cofee break (a gente fica feliz com tão pouco :), mas eu estava com o estomago destruído e não aproveitei tanto quanto gostaria...

Era organizada pela Red de Ciudades Sostenibles de Cádiz. Talvez por isso achei que tivesse mais haver com meio ambiente. Não sei se o conceito de sustentábilidade deles é diferente do nosso ou se a falta do tema foi uma falha da organização, de qualquer forma, a cidade viva, também não deixa de ser minha área e achei muito legal!


Foi em um hotel bonito e me surpreendi ao entrar no salão e ver que as fileiras de cadeiras tinham mesa com material, copo e garrafa de água. Também reparei como rapidamente as pessoas se juntavam e acomodavam na hora do intervalo para o café, que só terminava se alguém da organização passasse de um grupo em grupo avisando que precisavam descer. Fiz amizade com os dois que estão ao fundo da foto mal tirada acima.



Como na maioria dos seminários, congressos e conferências algumas apresentações foram péssimas e outras muito boas. Uma em especial me pareceu excelente: a do filósofo Jesús Martín Barbeiro, o segundo da foto acima.

Ele começou dizendo que citaria muito o geógrafo brasileiro Milton Santos, a quem fez muitos elogios, mas de início citou um antropólogo catalão:

"Sem raízes não se pode viver, com muitas, não se pode caminhar."

Disse que contaria sobre um milagre em Bogotá. Relatou como era a cidade em 1990: as pessoas andavam fechadas, como se estivessem em um tubo, pois a cidade era suja, molhada, perigosa, horrível. Considera um absurdo que a Colômbia tenha que gastar tanto pela proibição de algo que os EUA e a Europa toda consomem.

O milagre se deu, segundo ele, quando um prefeito que conseguiu se eleger sem partido percebeu que não podia governar só com a ajuda de arquitetos e especialistas, precisava da ajuda da população, mas, para isso, era necessário tirá-la do tubo. Para que as pessoas levantassem a cabeça e olhassem a sua volta, colocou 400 palhaços nas ruas.

Esse foi só o começo, não vou relatar tudo, mas quero dar destaque ao que mais me chamou atenção: "Construiu uma política cultural que mobilizava a memória, a esperança e os sonhos das pessoas." Os artistas tiveram a oportunidade de mudar a cidade junto com o prefeito, iam aos bairros e tiveram um papel estratégico.

Esse prefeito conseguiu iniciar um forte processo de transformação na cidade e melhorou muitas coisas durante seus dois mandatos. Os prefeitos eleitos posteriormente continuaram investindo em políticas públicas para diminuir a miséria e para manter Bogotá uma cidade viva.



O melhor de tudo era a forma como o filósofo narrava, era fantástico. Ele praticamente me levou a Bogotá. Foi emocionante; e para terminar de me emocionar, resolveu falar sobre os imigrantes.

Disse que ficava muito triste de ouvir sua irmã dizendo: "Qué barbaridad esa cantidad de inmigrantes, que barbaridad!"

Meus olhos se encheram de lágrimas quando afirmou com força e convicção que a Espanha passou 5 séculos exportando imigrantes e que agora que pela primeira vez estava recebendo, se queixava. "Não é porque não nasceram aqui que não são daqui."

Também destacou o grande desafio que é não fazer descriminação nenhuma, pois a discriminação positiva, pode gerar um outro tipo de discriminação. Falou sobre a necessidade de outorgar cidadania aos imigrantes e concluiu indignado: "Não é possível que continuemos brigando por uma fronteira no lugar de nos colocarmos a trabalhar juntos!"

Jesús Martín Barbeiro fechou sua fala citando meu querido e adorado Walter Benjamin:

"La esperanza se nos dá por los desesperados."

Depois durante o debate me inscrevi e contei que havia ficado emocionada com a fala do filósofo, pois um dia meus antepassados foram para a América Latina e agora, não sentia que minhas irmãs eram bem-vindas na Espanha. Tenho certeza que causei um grande incômodo.

Durante a noite ainda aconteciam entrevistas ao vivo, no primeiro dia foi com uma escritora e um músico, no segundo, com um poeta e um psiquiatra. No último dia também teve coquetel, conheci mais algumas pessoas e troquei alguns contatos.

Gostei muito quando a escritora Almudena Grandes afirmou que a Espanha "É um país que sofreu muito, que foi muito pobre e essa memória precisa ser resgatada, precisamos recuperar nossas raízes. Essa memória de novos ricos é artificial."

Mas quem realmente me ganhou foi o músico Miguel Rios que afirmou que o que nos vai salvar é o conhecimento do caos. "Temos que aprender que este é um planeta finito e temos que construir um mundo onde nada possa ser excluído. É necessário haver uma redistribuição, porque a forma como vivemos é insustentável."

Disse que era hippie e que acreditava que isso que dizia ser necessário ia acontecer antes. Também afirmou que: "Nos custa muito ser felizes porque teríamos que viver com "tapa-olhos" para não ver o que está acontecendo."



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