Este texto escrevi para o site da revista viração
www.revistaviracao.org.br, mas é claro que não deixarei de publicar aqui também:
Donde Miras?
O que você pensaria se um amigo te dissesse que gostaria de viajar pela América Latina caminhando e levando arte aos lugares por onde passasse? No mínimo que, “sonhar não paga”, não?
O livro lançado o ano passado (com o apoio do VAI) dos poetas Binho e Serginho começa com um poema de Peu Pereira (artista plástico, músico e diretor do documentário Panorama – Arte na Periferia) intitulado
Três poetas e um caminho, o qual ilustra esse sonho de caminhar, conhecer e fazer arte. Achei bonito, mas parecia algo muito distante... Não levei em consideração que, para essa galera, sonho é coisa séria.
Os três viraram quase 30! E no dia 05 de janeiro de 2008, a
Expedición Donde Miras - Caminhada Cultural pela América Latina - saiu, em sua primeira etapa, da periferia sul de São Paulo (onde vive a maioria) rumo a Curitiba. No dia 03 de fevereiro chegaram a seu destino.
Os artistas caminhavam cerca de 30 km por dia, e à noite acampavam ou se alojavam e realizavam exibições de filmes e saraus. Não tinham patrocínio, mas contaram com o apoio da maioria das prefeituras. Também vendiam livros e camisetas para ajudar nos gastos gerais, como a gasolina do carro de apoio que levava as bagagens.
O produtor cultural Gil Marçal explica: “Esta é a primeira etapa da caminhada que tem por destino o Chile, passando por Uruguai, Paraguai e Argentina. O objetivo é refletir o espírito latino americano, ainda tão pouco reconhecido por nós brasileiros, mas que ainda assim nos conecta aos demais povos deste continente.”
Encontrei nossos caminhantes já em Curitiba. Reparei que tinham um brilho nos olhos único. Brilho de satisfação pela realização de um sonho, e também de transformação. Transformados pelo desafio do convívio, pela experiência, por cada lugar e cada olhar cruzado, e nem por isso abandonado. Pelo contrário: muitos, certamente, seguirão com o caminhante, que voltou cheio de vida e verdadeiramente rico.
Foi emocionante não só participar do último sarau, mas também, ouvir os relatos de quando tiveram que praticamente enfrentar os caminhões no acostamento embaixo de uma tremenda tempestade, da diferença que sentiram no tratamento ao cruzar a fronteira com o Paraná, da experiência com as crianças, com os quilombos, com os ciganos...
Fiquei morrendo de vontade de ter participado, mas esta primeira etapa... acabou. Agora é sonhar com a segunda etapa até o Chile (é muito mais chão!). Mas desta primeira, ainda podemos olhar o blog (http://expediciondondemiras.blogspot.com/), ver as fotos da Kátia Portes e, daqui a um tempo, até assistir o documentário que o pessoal do Produções Arte na Periferia está preparando. E para quem não troca uma contação de história por nada do mundo, aparecendo no Sarau do Binho, (ou mesmo na Cooperifa ou na Trópis), com certeza não será difícil encontrar um voluntário apaixonado!
Mas atenção: “Donde Miras” não é uma simples afirmação, é também, e principalmente, uma pergunta:. Para onde estamos olhando? Quais são as nossas metas?
Fechados em nosso mundinho, enxergando um raio de 5 metros e vivendo em um raio de 5 km, não nos damos conta da imensidão de nosso continente, não só em território, mas especialmente, em cultura, em sede de vida. Caminhando, refletimos; fazendo arte, convidamos as pessoas a refletirem. Afinal de contas, será que a vida precisa ser assim mesmo?
Dentre tanta bagunça e confusão, algo que vejo hoje me dá gosto de verdade: vejo a nossa periferia TRANSFORMANDO – com muita arte e muita competência!
OBS: O Sarau do Binho acontece toda segunda na Av. Avelino Lemos Jr. nº 60, (ao lado da faculdade Uniban) no Campo Limpo.