terça-feira, 5 de janeiro de 2010

O crime não compensa?

Alguns detalhes do post abaixo que me inspiraram dividir mais essa, que me chamaram a atenção e merecem reflexão:

A agressão exterior, interior e burocrática; o aparente e talvez real despreparo; a burocracia; a ética do crime.

É louco perceber a energia que rola durante o assalto: primeiro a da intenção de assaltar que não precisa de palavras; segundo a do corpo que se vê em perigo e, de baixo pra cima, quase que arrepia os pelos, a sensação na verdade é de como se se arrepiassem as veias sanguíneas (como quando o gato se arrepia mas se prepara para se defender ou atacar se preciso for); terceiro o clima que se estabelece de combate.

Foi tudo muito rápido, saí daquela situação meio atordoada. Não sabia se tremia, se chorava, ou se ligava. Já estava tudo bem, tomei um susto, mas já estava resolvido, no entanto, apesar de ter cido forte na hora, depois me senti com as estruturas um tanto quanto abaladas.

O Arthur me ligava e desligava, sem saber que o telefone estava comigo, procurando quem pudesse ter roubado, quando consegui atender antes que desligasse eu já estava na casa dele com o Vitor (filho dele) e ele já tinha achado o assaltante que o próprio parceiro ainda bravo delatou, confirmou a descrição comigo e logo estava lá com a polícia para irmos a delegacia.

Essa hora a agressão foi interna, não queria ir de maneira nenhuma, mas fui. Fui ficando tensa, o corpo parece que foi enrijecendo, estava completamente contrariada. Sabia que tinha que fazer, mas ao mesmo tempo, lembrava o tempo todo do cara me pedindo desculpas e pedindo pra eu não cagüetá-lo. O Arthur procurava me acalmar fazendo piadas, brincadeiras e até funcionou. Consegui relaxar um pouco, mas fiquei muito tensa de novo quando tive que fazer o reconhecimento.

Outra coisa que colaborou para que eu fosse ficando cada vez mais mal foram as horas de espera com muita fome e naquele clima de ficar ouvindo gritos, confirmação de crimes, histórias de outros, aliás, cada história!

Um rapaz vitima do "boa noite Cinderela" que acordou no Guarujá, a amiga e outro rapaz foram registrar a queixa na esperança de que o banco ressarcisse algo, segundo ela, ele não tinha condições de ir, mas sem a vitima, claro, não puderam registrar a queixa. * Dois homens, até jovens, queriam fazer uma queixa com relação a um adultério, o delegado explicou que não é mais caso de polícia, cabe apenas levar a justiça. Essa eu gostei! * Uma senhora desesperada porque o filho de 33 anos é dependente químico e bipolar, a policial explicava que ela teria que interná-lo e ela reclamava que os médicos não queriam, que alegavam que não havia vaga. Ela resolveu registrar queixa contra ele, não sei se de agressão ou o quê. * Outro caso de roubo de celular...

Um PM pediu meus dados para o preenchimento de um formulário que tive a impressão de que o fazia com certa dificuldade ou insegurança, talvez só impressão. Na hora de responder a profissão, não sabia se respondia socióloga ou funcionária pública, acabei deixando o segundo que é o que faço, né? Ele pediu para que eu contasse o que havia ocorrido e resumiu abrindo aspas "Estava indo a casa de um amigo quando chegou dois indivíduos e roubaram meu celular." Pediu para que eu assinasse e me recusei, pois eles tinham devolvido, ele alegou que não fazia diferença e continuei me recusando, e assim ditei o que faltava: "no entanto, um dos indivíduos fez com que o outro devolvesse o aparelho".

Ah! Houve um momento em que achei que tinham pegado o cara errado, porque falei que era negro e o policial falou que era morerno, eu disse: "então não é ele". O Arthur disse que não, que era sim. Ele era negro, "negrito, negrito" como diria minha mãe. Qual o problema em dizer negro, heim? Se disserem moreno, vou imaginar uma pessoa morena e não negra, oras!

Depois de horas, questionei que estivessem fazendo todo o procedimento sem antes eu ter reconhecido o suspeito, afinal de contas, e se não fosse ele? Claro que neste caso era muito improvável que não fosse, mas e nos outros? Na verdade, queria questionar a lógica do procedimento, mas a escrivã levou a questão até o delegado, rolou o maior furdunso e até achei que ele fosse ficar bravo comigo, mas se esforçou para ser educado e me encaminhou a sala de reconhecimento. Na hora gelei: e se não fosse ele? Mas ele fez cara de coitado e não tive dúvidas, ainda assim saí da sala pensando... e se não fosse ele?

Finalmente, lá pelas tantas me chamaram para dar o depoimento. Tive que assinar não sei quantas vias dele, ainda bem que era só uma folha, mas também tive que assinar o recebimento da "apreensão" que foram mais não sei quantas vias de não sei quantas folhas. Claro que questionei ter que assinar o recebimento se eu tinha recebido o celular de volta da mão do ladrão, mas era mais uma formalidade burocrática e não insisti muito, até porque já estava tremendo, me sentia mal e até sem expressão. Achei por bem pedir desculpas pela falta de humor (sem ter que dizer que era isso, já que era nítido) alegando a dor de cabeça de fome como razão. No final, quando finalmente pude assinar a versão final lembrei de contar: foram treze vias de quatro páginas cada. - É um crime contra a natureza e contra o erário!

Já fui assaltada muitas vezes e nunca me levaram nada. Algumas vezes me devolveram e até pediram desculpas como ontem. Na primeira vez não consegui entender o porquê, até perguntei, mas o rapaz disse que tinha se apaixonado por mim, o que não convenceu.

Ontem eu finalmente entendi: quando o assaltante disse para o outro devolver porque era velho, não foi porque "não gostou do celular" como colocou o delegado na minha declaração e no B.O., ele foi atrás do cara por uma questão ética. Porque não se rouba pobre.

Claro que um celular velho não tem mais valor, e assim o crime não compensa, mas não é só isso. Se fosse, eu não teria o meu celular de volta, já que compensava mais ele fugir do que me devolver algo com que eu podia denunciá-lo. Eu nem tinha a intenção, já que a princípio sequer havia crime. Mas o fato dele pedir me fez pensar...

Ajudei a colocar mais um preto na cadeia, por um crime que nem cometeu. Não me sinto nada bem com isso e definitivamente, se o fiz, não foi por mim, foi pelos meus. Pelos filhos do Arthur, pelos funcionários da Sub, pelas pessoas que moram e passam por ali... me senti mal sim, fiquei pensando em escrever pra ele e pedir desculpas, parece loucura, eu sei, mas senti que não fui ética. No entanto passei por cima de tudo isso, porque temos que ser fortes no bem, e quem disse que é fácil? Não, não é nada fácil. Aliás, é muito mais difícil, pois não querer o mal a ninguém e ter que punir são atos contraditórios, no entanto, necessários.

Mas vamos que vamos, que o ano tá só começando!

4 comentários:

F.I.O.N.A. disse...

QUÉ TERRIBLE MAMITA! Recuerdo que cuando era estudiante de FIlosofía muchas veces pensé en hacer mi TCC sobre los presidiarios, algo así como una apología del criminal... qué extraño, en mis 66 años de vida nunca fui asaltada. Gracias a Dios y a mi angelito de la guarda, dulce compañía, que no me desampara ni de noche ni de día...

jP Vergueiro disse...

Ana, o arrependimento eficaz não é crime. Se a pessoa se arrepende na hora do delito e devolve o bem, não vai condenada. A não ser q houvesse violência física, não sei se o delegado entendeu desse jeito.

Em tempo, você ficou chateada por estar colocando mais um negro na cadeia? Se fosse branco não teria problemas, vc teria menos peso na consciência? E amarelo? Inuit? Crime não tem cor, bandido é bandido e só. Infelizmente temos no Brasil a cultura do racialismo q faz as pessoas pensarem pela cor da pele. Pobreza não faz causar mais crimes (q seria o mesmo q pensar q qt mais pobre mais bandido, o q é preconceito e falácia), e o mesmo vale para a cor da pele. Nada disso faz alguém ser mais bandido ou menos. Condições da sociedade sim, como falta de emprego, condições de moradia, tráfico, oportunidades de grana fácil, etc. Mas bandido existe no Brasil, na África e na Suécia, não importa a cor de pele e a grana q o cara ja tenha!

Bjs, bom ano!

Unknown disse...

Ana,
Escreva para o cara, se é que vc tem como entregar algo, mesmo se não, escreva de qq forma para que vc registre o que gostaria de dizer a ele.
Realmente crime é crime, branco ou negro, mas no Brasil, sim, crime tem cor para as "autoridades" e é negra, infelizmente. A mania de incriminar está sempre presente nos agente públicos e quando se trata de um negro a incriminação é o procedimento padrão. UM ABSURDO mesmo.
Vá até a delegacia, o que o JP falou é real, provavelmente liberaram o vacilão naquela noite ainda. Serviu para ele aprender a fazer uma fita que valha a pena (aqui sim, literalmente valer a pena).
Não vou te recriminar pela internet.
Besos Estrellita.

Ana Estrella Vargas disse...

O delegado disse que é a justiça que vai decidir.

Fiquei chateada de colocar mais uma pessoa na cadeia sim, especialmente por a mesma ter me devolvido o bem e pedido desculpas, mas me senti mais mal ainda por se tratar de um negro sim, pois não tenho dúvidas de lhe fataltaram mais oportunidade que aos "não-negros" e que certamente nos seus 46 anos de vida foi por vezes discriminado, possivelmente a ponto de o próprio acreditar que não era capaz, que não seria mais do que é hoje.
O fato de ser negro não significa que seja bonzinho, nem que não tenha tido nenhuma oportunidade na vida, mas por saber de todas as dificuldades que sofrem e sofreram, me pesa mais sim.
E condordo com vc que são as condições sociais as maiores responsáveis, o que também faz com que eu que estou dentro do poder público me sinta mais mal ainda.

De qualquer forma, obrigada pelo comentário, dá um bom debate! E me ajudou a esclarecer.

beijos!