quinta-feira, 22 de abril de 2010

Carta aos Homens de Preto

Eu estava no terceiro ano da faculdade e não fazia muito tempo que havia começado a trabalhar no gabinete de vereadora da Soninha quando ligaram da produção de um programa de TV perguntando se poderiam fazer umas imagens na nossa sacada (a vista de lá era fantástica!). Como não assistia TV, não sabia quem eram, mas sabia que a Soninha tinha gravado algo com eles e respondi que claro, sem problema nenhum. Quando os homens de preto chegaram me chamou a atenção que um deles tinha o dobro do meu tamanho e que os equipamentos eram grandes para pularem a janela junto, já que não havia porta para o que usávamos como sacada. Deixei um dos assessores ver qual janela seria melhor para saírem e voltei para o meu lugar – na época ainda era recepcionista e professora de espanhol. :)

Foi assim que me surgiu a curiosidade de saber o que era o CQC, e foi assim que descobri esse grupo de loucos que Custe o Que Custar, vão atrás da notícia, perguntam, questionam, indagam sem papas na língua, aliás, pelo contrário, com muita cara de pau e o que é mais interessante: com muito bom humor. Ou seja, são um programa de humor sério. Mas isso vocês já estão cansados de saber. A questão é que os admiro profundamente porque utilizando o humor passaram a fazer com que pessoas que antes não se interessavam pela política passassem a se interessar e acompanhar, porque colocam o seu talento a favor do "bem comum", adquirindo uma função social e política nada desprezível.

E aí é que são elas, pois quanto mais audiência e influência se alcançam, mais cuidado é preciso ter, pois a comunicação é poder. Poder que pode ser usado tanto para o bem quanto para o mal e não tenho dúvidas de que o CQC procura usá-lo para o bem. Mas...

No CQC#92, exibido no dia 19 de abril, duas coisas me incomodaram profundamente: A banalidade com foi tratada a questão do índio e o quadro Cidadão em Ação.

No Cidadão em Ação em que as "crianças" conseguiam comprar bebidas alcoólicas, cigarro e "revistas de sacanagem" me impressionou o conservadorismo e moralismo pregados. Primeiro porque não eram crianças, eram adolescentes que por natureza tem curiosidade de conhecer, especialmente as coisas proibidas. O fato de um adolescente beber ou fumar não é – nem nunca foi – sinal de que vá se tornar um dependente, mas certamente quanto mais for proibido, mais vai querer. E quanto mais for desconhecido (por ser tratado como assunto proibido) mais perigoso será. Qualquer maior de 18 anos que nunca tenha experimentado bebida ou cigarro será visto como anormal. Sabemos que isso não é normal, então porque querem fazer descer goela abaixo uma legislação que não condiz com a realidade? O maior perigo aí é a falta de informação e acompanhamento. Mas até entendo a preocupação e o porquê da legislação com relação a isso, mas, com relação à "revista de sacanagem"?? Com tanta sujeira por aí que vocês nos mostram, tantos filmes, novelas e BBBs que apresentam como se fosse a coisa mais normal do mundo mentir, enganar, passar pra trás, o CQC está preocupado com a sacanagem saudável? Sim, porque eu não entendo o que há de errado em verem revistas que mostram fotos de pessoas nuas, vão do singelo ao grotesco, mas em algum lugar que não seja em um livro didático com o desenho de um boneco os adolescentes precisam poder ver como é, entender, saciar sua curiosidade e até curtir, porque não? É melhor que seja com a revista do que com a irmã, sobrinha, ou qualquer uma que esteja voltando à noite da escola ou trabalho. Essa proibição só alimenta nossa sociedade recalcada, com tantas pessoas sexualmente frustradas, sem contar com os doentes que abusam das crianças. Sexo faz bem pra saúde, assim como ver - simplesmente ver - imagens bonitas (de homens, mulheres, lugares, obras de arte, ou o que for) faz bem pra alma – especialmente a nossa que vive nesta cidade cinzenta.

Quando era criança trabalhava no bar da minha mãe, via as pessoas bebendo, fumando e namorando. Lembro que a primeira vez que experimentei cerveja, ela era amarga (hoje é tão doce! Como pode? rsrs)... Com treze anos vim para a periferia de São Paulo morar com meu pai – que coitado, hoje percebo que não deve ter sido fácil, mas me deu toda a liberdade que pode – eu saia, bebia, vez ou outra fumava e com quinze anos já tinha namorado e uma "vida sexual ativa", apesar dos recalques. Hoje tenho 26 anos, sou funcionária pública, formada em sociologia e política, faço mestrado na PUC (mesmo sem ter como pagar), não sou alcoólica, não sou fumante, não sou maníaca sexual, nem fui mãe adolescente. Sou só um exemplo dos muitos que há por aí, em condições que para muitos pareceriam absurdas, mas não eram. Ah, e não mudei. Não virei santa ou beata: de vez em quando bebo e vez ou outra até fumo ou faço sexo. :)

Sobre a intervenção dos indígenas: eles entrarem devolvendo espelhos, rompendo o contrato de 500 anos e pedindo as terras de volta foi interessante, mas daí eles aceitarem em troca um brinquedo qualquer (uma bolinha que pisca?) e saírem satisfeitos. (?!?!) Pode até ser engraçado, mas antes de ser engraçado é trágico. É ofensivo dizer que aceitam qualquer coisa, além de dar a impressão de que foi realmente isso que aconteceu: que trocaram suas terras por espelhos, que a venderam por quinquilharias, como se não tivessem sido obrigados a nada, como se não tivessem sido massacrados, transportados ou assassinados. Se há uma crítica aí, ela é tão sutil... Vocês conseguiram levar "índios de verdade" para a TV em horário "nobre" em pleno dia do índio para eles não dizerem nada? Com tantas questões mal resolvidas, com tanto preconceito e falta de compreensão. Aos mais de 600 mil telespectadores que os assistiam não mudou em nada a visão que tinham. Não acrescentou nada. Na escola não aprendemos nada sobre os povos indígenas, eu mesma sei muito pouco, mas sei que possuem uma sabedoria acumulada da qual nem fazemos idéia, e que perderam muito de suas riquezas. Sei que merecem o mínimo de respeito, o que raramente tiveram, aliás, a construção da usina em Belo Monte no Xingu é mais um exemplo de que não faz a menor diferença. Nem são vistos como um problema: é só tirarem eles de onde estão e jogarem em outro canto qualquer do país. E eles vão aceitar? Como a bolinha? Eles não têm outra escolha, porque não têm voz. Porque se gritarem, ninguém vai ouvir. Porque não tem o espaço que vocês poderiam ter proporcionado para explicarem o que está acontecendo. Isso sim seria uma intervenção digna, de tirar o chapéu, no dia do índio.

Respeito e admiro demais o trabalho de vocês e por isso estou escrevendo. São tantas coisas que às vezes na hora fazemos o que dá e depois ficamos insatisfeitos porque queríamos ter feito mais e melhor (eu sou assim, é chato, mas é bom, porque nos permite melhorar), e quero acreditar que foi o que ocorreu. Então, para finalizar essa longa carta, quero pedir encarecidamente que não deixem passar em branco essa história da usina. É muito mais grave do que parece, mas as pessoas simplesmente não estão dando atenção, provavelmente porque ainda não entenderam o que pretendem fazer, ou porque não entenderam que tudo isso não é necessário como se prega.

Em tempos de mudanças climáticas – furações, tempestades, terremotos, vulcões, o que mais é preciso acontecer para acreditarem? - não podemos nos dar ao luxo de alagar aquela quantidade de floresta. Já seria um absurdo fazer em outros tempos, mas é mais ainda agora porque além de sabermos dos problemas que temos, também temos conhecimento científico que pode propor outras soluções. Temos que parar com essa megalomania de querer resolver tudo em uma grande ação, de ter o maior isso, o maior aquilo. Não é saudável. Não é sustentável. Não é legal. Qualquer roda d`água pode gerar energia, além de termos as alternativas eólicas, solares e de biomassa. O simples investimento em aquecimento de água (porque não reduzem o IPI do aquecedor? Isso sim precisa subsídio do Estado!) já resolveria grande parte do problema que é o pico gerado por nosso chuveiro elétrico. SE INVESTIRMOS EM UMA MULTIPLICIDADE DE PEQUENAS SOLUÇÕES, SOLUCIONAMOS O PROBLEMA SEM PERDER O XINGU! Talvez vocês já estejam cansados de saber disso, mas boa parte da população nã faz nem idéia. E é algo que está ao alcance de vocês. Se quiserem a Soninha pode falar sobre isso, sem o menor problema, ela sempre vai (mesmo sabendo que é roubada:) e dessa vez tenho certeza absoluta que ficaria muito feliz de poder esclarecer isso aos telespectadores do CQC. Que tal? :)

Há vários materiais que valem muito ser vistos, especialmente:

Fotos do Hélvio Romero em Belo Monte

Filme – Povos do Xingu contra Belo Monte

Fotos aéreas

Como diz a música:

Um índio descerá de uma estrela colorida e brilhante
De uma estrela que virá numa velocidade estonteante
E pousará no coração do hemisfério sul, na América, num claro instante

(...)

E aquilo que nesse momento se revelará aos povos
Surpreenderá a todos, não por ser exótico
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
Quando terá sido o óbvio

Obrigada pela atenção e pelas segundas-feiras especiais!
Abraços,

Ana Estrella Vargas

5 comentários:

Katia Portes Leão disse...

"e vez em quando até faço sexo".
rsrrsrsrsrsrsrs Linda!
Divirto-me lendo você.

Eu não tenho televisão nem internet - na real, tenho pouca coisa nessa casa QUE VOCÊ AINDA NÃO VISITOU. E não consigo acompanhar tanto. Quando alguma coisa alcança uma audiência dessa é que eu acredito que corre o perigo de a qualidade (que seja no humor, na crítica, em qualquer coisa) ser perdida.
Até onde vi esses camaradas, gostei muito. Na real, já conhecia o Tas - desde o Vitrine (e, confesso, também no Castelo Ra-tim-bum rsrsrsrs)...

Um beijo e um queijo.

Titi disse...

ÓTIMO! ÓTIMA, otíssima entrada (ou resposta ou post), Ana!

Gostei demais das tuas reflexoes... estou de acordo contigo en 100%.

Caramba...minha irmazinha pequena está madurando, :D

Brincadeirinha... mas se nota que vc en política y outras coisas (sexo?) é boa, ou seja, opinando (do 2º eu nao sei). E isso faz teu blog muito mais interesante...

Espero que os homens de preto, (ou o seu productor), leian as tuas reclamaçoes (ou sugerencias)

Bsos ;)

Titi disse...

Ah! Esquecia de dizer :
é triste e surprendente essa "discriminaçao" (ponho entre comillas porque nao é igual que a discriminaçao aos negros) contra os indios...

Se respeita mais o indio fora de América (e digo América e nao Brasil, pois em Colombia, por ejemplo, é um insulto ser chamado de indio...).

O que acho que acontece é que é una povo ingenuo (quase o mesmo que pacífico) e, como deu pra vc perceber nesse programa en que "les tomaban el pelo", o mesmo lhes aconteceu faz 500 anos atrás, em que abusaram e zoaram dos teus antepasados (os verdadeiros, e nao só dos europeos, que tem muito argentino e brasileiro que gosta de se gabar de ser descendente de europeo)

Ralf R só-a-consciência-no-ato-salva! disse...

Ótimo, ótimo, ótimo!... (mesmo se alguns detalhes é mlehor a gente não discutir em público, hammmm... rsrs)

Mas, pra ser honesto, acho que vc podia ter feito uma série de 3 posts temáticos, do material desse post! Aí ia ficar mais agradável de ler.

Abração!

Ana Estrella Vargas disse...

Ká, prometo que vou conhecer sua casa muito em breve...
Eu não sou a pessoa mais desinibida pra falar de sexo, definitivamente, mas as pessoas querem tratá-lo como se fosse errado e ninguém fizesse... ainda acham que viemos da cegonha, será? rsrs
Linda é você! Te adoro!!!

Titi
Gracias por tu comentário! Me tranquiliza un poco saber que hay quien me comprenda... Y que increíble que concordemos con algo 100%, no?
Ahora me pregunto: de qué grupo indígina será que somos decendientes? Nuestra madre lo sabrá?
Me gustaria mucho que los tipos (de negro) me tomaram un poquito en sério que fuera, pero lo aún lo dudo. De todas formas, mi parte la hice. ;)

Ralf,
entendo que alguns assuntos não se discutam em público, mas... porque mesmo? Especialmente se não estou espondo a vida de nenhuma outra pessoa a não ser a minha própria, porque mesmo? Porque não é certo? Ou por que não é bem visto? Há uns tempos não era capaz nem de falar sobre isso em particulas (mesmo), no lugar de me dar os parabéns, vc sutilmente me repreende? Endendo que queira me protejer, mas às vezes é necessário romper. Lembro que me falou da mulher de Cesar, mas não sei pq eu sempre fui honesta, mas nunca pareci; já sofri as conseqüências, então, que eu possa ao menos falar.
Também queria ter tratado os assuntos separademente e em posts menores, mas era uma carta, e precisava dizer tudo isso aos "destinatários". Tinha que ter escrito menos mesmo, mas dei uma de Ralf e não consegui me conter. Ainda quero colocar a questão de Belo Monte separadamente, mas já não será hoje. Enfim, seria estranho se não fizesse uma crítica. Tenho procurado aceitar que as coisas nunca estarão perfeitas como gostaria, mas como gostaria que um dia você fosse capaz de não criticar algo. Tenho procurado aprender, mas não serei perfeita, por favor não me cobre isso mesmo que sutilmente. Já é díficil segurar as minhas próprias críticas, acredite. Afinal, sou sua filha. Ah, e não estou pedindo que deixe de dar sua valiosa opinião, mas só que tenha cuidado para não fazer só isso.
Desculpe o desabafo, mas fazia tempo que estava engasgado...
Domingo podemos tomar café juntos? :)

Beijos gerais!!! :D